O que é o tempo? Se ninguém pergunta isso, eu não me pergunto, eu o sei; mas se alguém me pergunta e eu quero explicar, eu não o sei mais.
(Agostinho de Hipona)

quarta-feira, 20 de abril de 2011

Das torturas cruéis às fogueiras ardentes

Eu começo o artigo dessa semana com um versículo um pouco inquietante e incrivelmente intrigante da Bíblia Sagrada. Está em Êxodo 22-18, que diz o seguinte: “A feiticeira não deixarás viver”. Será que a causa do massacre de milhares de mulheres consideradas bruxas só aconteceu por causa deste verso? Bom, pouco se sabe das barbáries cometidas pela Igreja Católica Apostólica Romana durante o final da Idade Média e durante quase toda a Idade Moderna. Mas o pouco que se sabe já é de arrepiar. Barbáries que foram abençoadas por papas famosos como Gregório IX e Inocêncio VIII eram cometidas em quase todo o Velho Continente e, algumas vezes, nas novas terras descobertas durante as grandes navegações. Mas, o que foi que realmente aconteceu? Antes de você começar a ler esse artigo, fique ciente que eu não julgo a religiosidade católica, e sim a instituição que esteve por trás de tudo isso. Todos esses fatos devem ser debatidos, conhecidos e de uma vez por todas, revelados.

Bem, tudo começa com Gregório IX que em 1231 “cria” a Santa Inquisição. Certa vez, ele teria sido visitado pelo Anjo Gabriel, que lhe disse rapidamente que uma praga pagã e demoníaca se aproximava e, o cristianismo, era o único que poderia impedir a tal praga. Foi dele que nasceu também o patético medo de gatos pretos. Para Gregório, eles eram considerados filhos do demônio, nascidos do ventre de horrorosas bruxas. Houve uma grande matança de gatos pretos em seu pontificado. Não só os animais como os seus donos eram queimados vivos em praça pública. No entanto, o grande equívoco é pensar que o massacre de infiéis também ocorreu durante a época medieval. Por mais irônico que isso soe, a maioria das mortes nas fogueiras ocorreram na época do renascimento e do iluminismo. Durante a época medieval, por mais que a Igreja comandasse diversos territórios e feudos a civilização ainda estava mergulhada em filosofias pagãs e antigos preceitos greco-romanos. O cristianismo era apenas uma mera “fachada”. Já do século XV ao XVIII, enquanto dizia-se que o homem reencontrava-se consigo mesmo, tanto nas artes e na literatura quanto na ciência e na razão, era escrito o livro que moldaria a História da inquisição e a bula papal que fixaria a pena de morte - e a tortura - para todas as pobres ovelhas desgarradas, também conhecidas como hereges.

Herege significa “aquele que escolhe outro caminho”. Claro que na época a Igreja nunca permitiria que isso acontecesse. Ela, querendo ou não, era dona de corações e mentes. Mas lembre-se, apenas durante a Idade Moderna. Durante e modernidade a Igreja se uniu ao Estado e as coisas ficaram piores, muito piores. Quando citei o livro que “moldaria a História da inquisição”, eu me referi ao conhecido Malleus Maleficarum (em latim) ou “O Martelo das Feiticeiras”. Publicado em 1484 pelos dominicanos Heinrich Kramer e Jacobus Sprenger e consentido pelo vigário de Cristo, Inocêncio VIII, o Malleus Maleficarum foi o manual dos inquisidores até o começo do século XIX. Com muita destreza, os inquisidores escreveram passo a passo, como encontrar, interrogar, torturar e matar todos os hereges da Europa e, principalmente, as tão temidas feiticeiras.

Algumas práticas se tornaram bem conhecidas. Havia a “Mesa de evisceração”, na qual as bruxas eram forçadas a se deitar e tinham seu abdômen cirurgicamente cortado. Um gancho retirava lentamente seus órgãos internos. Detalhe: elas estavam vivas quando isso acontecia. Havia também a famosa “Pata de Gato” que, lentamente, arrancava a pele do indivíduo acusado. Dentre todos os métodos, o “Strappado” era o mais temido por todos. Prendiam os pulsos do acusado atrás das costas e amarravam presos nos pés. Ele ou ela era içado por uma longa corda que dilacerava os músculos e ossos das pernas e dos braços, lenta e rapidamente. A ação era repetida quantas vezes fossem necessárias. Na maioria das vezes os padres se encontravam ao lado da vitima, abençoando o carrasco e os inquisidores por estarem fazendo o “santo trabalho do extermínio das heresias”. Os inquisidores utilizavam-se de diversos recursos para extrair confissões ou “comprovar” que o acusado era feiticeiro. Segundo registros, as mulheres eram totalmente depiladas pelos torturadores que procuravam um suposto “sinal do Satã”, que podia ser uma verruga, uma mancha na pele ou até mesmo mamilos excessivamente enrugados.

E se nos aprofundarmos um pouco mais nas santas intervenções que a igreja da época era costumada a fazer, poderíamos citar rapidamente o Index Librorum Prohibitorum – a lista de livros proibida para os fiéis. Poderíamos chamar esse artifício de inquisição cultural. Citando pela segunda vez um versículo da Bíblia Sagrada, agora em Atos 19-19, percebemos rapidamente que poderia ter surtido o mesmo efeito do Êxodo 22-18. Uma interpretação exagerada e literal da coisa. Nele diz o seguinte: “Também muitos dos que seguiam artes mágicas trouxeram os seus livros e os queimaram na presença de todos...” Obras de autores renomados como Maquiavel, Galileu, Victor Hugo, Descartes, Kepler e Voltaire foram lançadas pelos padres nas enormes fogueiras sob o pretexto de heresia. Durante 400 anos (1559-1966), o Index queimou milhares e milhares de obras que poderiam ter dado um rumo diferente para a História do ocidente. (Sabe a obra “Mein Kampf” do sádico ditador Adolf Hitler? Analisada durante três anos pelo Index acabou sendo... inocentada).

Agora eu pergunto pra você, leitor, o que você acha de tudo disso? Enquanto Da Vinci pintava o quadro mais famoso da História, a Mona Lisa, enquanto Gian Lorenzo Bernini projetava a belíssima Praça de São Pedro e, mais tarde, enquanto sir Isaac Newton e Rousseau mudavam tanto a ciência quanto a política, a igreja dilacerava mulheres vivas e alimentava as santas fogueiras com homens e crianças inocentes. Será mesmo que isso pode ser considerado um renascimento da humanidade? Precisamos rever a História. Pensar no que está certo e no que está errado. Mais uma vez eu me defendo. Não estou aqui para julgar nenhuma religião. Creio que assassinatos, guerras e massacres aconteceram e acontecem dia após dias, seja numa sociedade judaica, muçulmana ou protestante. Mas a meu ver, levar mais de 100 mil mulheres a tortura e a morte, sem falar nos homens, camponeses, homossexuais, judeus e até mesmo gatos, sob o pretexto de “copularem com o demônio” (entre outras coisas) é algo inaceitável para uma sociedade que se julgava moderna. Um genocídio que, infelizmente, ficará por séculos cravado tanto no passado da igreja quanto no passado de toda a humanidade.

Luis Felipe Machado de Genaro

Nenhum comentário:

Postar um comentário