O que é o tempo? Se ninguém pergunta isso, eu não me pergunto, eu o sei; mas se alguém me pergunta e eu quero explicar, eu não o sei mais.
(Agostinho de Hipona)

domingo, 18 de maio de 2014

O novo tempo do mundo: um manifesto crítico sobre o período em que vivemos

  

  Conflitos intermináveis, exploração e subordinação, catástrofes ambientais, repressão policial, superpopulação, redes invisíveis de comunicação de massa, indignação popular e o fim das democracias. No novo tempo que em temos vivido a emergência e a exceção impercebíveis pela maioria parecem desmembrar o sujeito globalizado. Ora estamos diante de tudo, ora estamos diante de nada. 
  O real e o virtual mesclaram-se. Conceitos, ideologias e valores perderam seus mais intrínsecos significados. As grandes metrópoles aumentam diariamente. A população parece triplicar a cada instante. Escórias crescem e a podridão escurece os ares urbanos. Perante uma crise política, econômica, social, ambiental e cultural sem um fim determinado, parecemos caminhar sobre uma corda bamba prestes a rebentar. Engolimos mentiras, assistimos a escândalos e aceitamos estatísticas inexistentes. 
  Abraçamos discursos vazios, programas falhos e privilégios gozados por uma minoria acéfala. Permanecemos submissos perante um sistema plutocrata, onde os que lucram comandam e orientam o porvir mundial. Suas vitrines anunciam novos preços, promoções imperdíveis e a cada milésimo um novo produto inovador inunda as lojas e se alastra pelo comércio global. A tecnologia cada vez mais obsoleta e inválida guia o compasso das mentes. Somos levados a consumir o que não podemos, o que não queremos e o que não precisamos. Sustentamos nossa própria destruição.
  Para conservar as falsas democracias ocidentais prostradas ao capital financeiro e aos grandes bancos mundiais, as fábricas orientais se transformaram em verdadeiros templos de exploração e escravidão. Ingenuamente utilizamos, vendemos e trocamos produtos que vertem sangue e suor de escravos modernos. Um vice-versa mercadológico macabro e angustiante.  
  Sem darmos conta nossos direitos mais básicos são surrupiados diariamente. No Brasil, a mão de ferro do Estado unido a oligarquias regionais e forças policialescas sufocam toda e qualquer manifestação, revolta e livre pensamento. Chacinas nas favelas e comunidades pobres tornaram-se recorrentes. Achamos que vivemos na plenitude de uma democracia quando os traços mais brutais de uma ditadura permaneceram como regras instituídas. 
  A riqueza, o poder e a barbárie sucumbiram à igualdade e à utopia. Não há projetos, planos e cartilhas. Partidos políticos e sindicatos vem perdendo pouco a pouco sua força motriz: a representação das massas. As relações tornaram-se líquidas, absurdamente instáveis. Em graus diversos estamos cientes do novo tempo que temos vivido. Mal deitamos precisamos levantar. O relógio atropela a realidade, assim como o trabalho e a exaustão eterna. Já não determinamos quem e como se controlam as riquezas produzidas pelo homem comum. Confundem-se as esferas públicas e privadas e nada conhecemos com certeza.
  Somos levados a acreditar que essa riqueza é distribuída entre todos, que não há pobreza extrema, que os jornais são imparciais e que a guerra e a fome são males do passado. Justamente quando toda informação recebida é o fardo de grandes corporações que visam ao lucro e ao lucro apenas, distorcendo fatos cotidianos e moldando a opinião pública. Quando ainda a indústria bélica é o norte das peças principais de um tabuleiro global movediço, marcado pela tortura, sanguinolência e a hierarquização das relações sociais. Vivemos um eterno apocalipse. 
  Obedecemos a demandas, regras e ideias instituídas simplesmente porque precisamos. Ou não nos resta alternativa ou estamos convencidos que simplesmente precisamos obedecer. Vivemos tempos de críticas transições. O consumo exacerbado, a alienação da realidade e a violência vinda dos degraus mais altos do poder demonstraram enfim que o progresso e o desenvolvimento não passavam de palavras vazias. E se estão cheias, atropelam tudo e a todos como um trem descarrilhado.
  A segregação e a exclusão social de minorias permanecem condutas invioláveis. Assim como os donos do poder, os donos da verdade e da razão próprias almejam espraiar seus ideais e hábitos para todos os espaços e grupos possíveis. A importância não reside no conhecimento e no respeito ao outro, mas na demonização do pensamento alheio. A verdade passa a ser única e universal. De tempos em tempos muralhas são construídas, guetos formados e novos campos de concentração, sem a contestação histórica merecida, são erigidos com irônica rapidez.  
  Se a moral do mundo foi convertida em dólar, focos de resistência parecem brotar nos lugares mais improváveis no início dessa década. As tensões aumentaram, assim como a intolerância de ambos os lados. Se findaram as ideologias e as representações, o novo tempo em que temos vivido parece anunciar um período imerso no que chamamos revolução global. Mediante esforços regionais e nacionais, virtuais e reais, começa-se a usar a globalização contra ela mesma. Ressuscita-se a besta fera chamada povo
  A tomada de consciência deverá ser global. Se não nos sublevarmos caminharemos rumo a construções distópicas de George Orwell e Aldous Huxley. Os traços mais obscuros dos futuros possíveis redigidos por ambos os profetas daquele e deste novo tempo parecem emergir com violência: aceitação, manipulação, ignorância, caos e decadência. Um tempo sem direitos, mas deveres e imposições. Finalmente, não mais existiremos. Nem moral, jurídica ou fisicamente. Seremos o que somos hoje. Meras estatísticas. Meros pontos no meio do nada. Alvos fáceis à beira da extinção. 

5 comentários:

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    1. Olá Genaro, tudo bem? Gostei do texto, embora tenha achado o tom dele um pouco exageradamente pessimista.

      Concordo com os apontamentos, mas me soou um pouco como as graphic novels baseadas nas obras dos autores citados no estilo V de Vingança ou Watchmen, um cenário praticamento apocalíptico e distópico, contudo é confortante saber que está ocorrendo uma "revolução global".Que todos em maior ou menor grau concordam que é imprescindível mudar imediatamente, mas a mudança, o seu sentido, cada um possui o seu próprio senso de direção. E eis que a revolta perde o sentido, é preciso dizer quais são as opções além das banais, das comuns, das fórmulas já testadas e descartadas.

      O sistema não mudará por si, a mídia não semeará a mudança por si, cabe a jovens com coragem de se mostrar e dizer o que pensa com respeito e visando o bem comum somar e disseminar a discussão construtiva.

      O mundo não vai acabar, o que não podemos é dar passos para trás, mesmo que o próximo passo não esteja ainda de comum acordo entre todos. Nem os oportunistas serão extintos nem aqueles que os combatem, mas podemos ter algumas vitórias para tornar o mundo, o país e a nossa realidade um pouco mais justa, não?

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    2. Resposta do Faceboook:

      Exato Zé. O sistema não mudará por si. Absolutamente que não.

      Cá estamos frente à era das incertezas e do descontentamento global. Tomei como base as revoltas contra o sistema financeiro nos Estados Unidos, os levantes na Europa em crise, as primaveras no Oriente e as jornadas no Brasil. De fato vivemos uma revolução global que entre marchas e contramarchas está ocorrendo e não tem um fim determinado. Concluo que como as lojas maçônicas no século XVIII, os cafés no XIX e os sindicatos no XX, a internet é nossa arma no XXI, nosso espaço de sociabilidade e de união das massas. A revolução global não será nada sem ela. Não hoje!

      Já o pessimismo, bom, sou bastante pessimista e acho difícil não ser. Mas, por sorte, a indignação permanece. Acredito que mudanças bruscas e necessárias só ocorrerão através de rupturas violentas, mas conscientes. Pode parecer ilógico, já que muitas vezes não associamos a violência com a razão e a racionalidade em si. Mas não vejo outra alternativa. Não defendo a ideia de que já vivemos em um mundo distópico, mas que trilhamos rapidamente rumo a ele.

      Até concordo que o mundo não acabará, mas a humanidade por outro lado...

      Abraços!

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  2. A internet é uma ferramenta essencial sim, por isso mesmo é difícil mensurar a sua dimensão. Poder aliar todas essas revoltas mundialmente traz uma força para o povo sem precedentes. Há desafios tremendos a serem encarados, mas olhar para trás e achar que o mundo já foi melhor, acredito ser um pouco inconcebível.

    A humanidade caminha, mesmo que com muitos tentando impedi-la, inexoravelmente para a frente. É triste, no entanto ver o quão lento nos movimentamos, o poder de organização e manifestação sempre foi cerceado, agora temos uma força descomunal e ninguém pode prever qual será o resultado do que está acontecendo.

    Por isso digo que o pessimismo não é algo necessariamente justificável, muitos tentam culpar uma ou outra pessoa ou um ou outro partido, como se não fosse toda uma evolução de atitudes e escolhas passadas somadas ao que se passa hoje que constroem o panorama em que nos encontramos.

    Enfim, o pessimismo pode ser confundido com o coro dos descontentes que simplesmente gritam generalizações que todo político é corrupto e que política é suja e que se envolver é errado e deve ser reprovado.

    Sei que você não faz parte desse coro, que você tem sua própria voz, às vezes podemos ter dúvidas o que é natural, duvidar faz parte do processo. Mas desistir não, se conseguimos antes não tem porque não conseguirmos agora.

    E a violência é uma alternativa quando tudo mais for tentado e me parece que boa parte das pessoas sequer tentou.

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  3. Nós, pós modernos que somos, vamos sempre ter uma dose de pessimismo mesmo, meu amigo. Isso faz parte de nós, como você mesmo escreve - as relações se tornam líquidas, a sociedade está individualizada.

    Uns meses atrás, estava com uns amigos falando sobre as eleições, e como ficaria se cada uma das opções que temos ganhasse. (Se é que dá pra chamar de opcao). Nessas, eu e uma amiga começamos a escrever um manifesto, e funcionou bem... pra gente. Tanto que não conseguimos passá-lo adiante porque não sabemos bem se as pessoas estariam de acordo e, mais importante, se estariam interessadas.

    Depois do que eu já estudei de história, sociologia, antropologia, filosofia, semiótica, e ainda de política, e não que eu tenha estudado muito, mas me parece muito mais difícil política no contemporâneo do que nas outras épocas. Esses rastros da ditadura mesmo, isso me causa um asco sem tamanho... mas tá tudo de boa pra pessoas.

    Estamos passando por transições críticas sim, e acrescento que estas também são silenciosas e até definitivas. Gosto de pensar que pode ser uma nova revolução cultural a caminho, por que não?

    Gostei muito do que escreveu, gosto do pessimismo nas coisas, porque eu sou um pouco assim, rs.

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