O que é o tempo? Se ninguém pergunta isso, eu não me pergunto, eu o sei; mas se alguém me pergunta e eu quero explicar, eu não o sei mais.
(Agostinho de Hipona)

terça-feira, 10 de junho de 2014

A Copa do Mundo da FIFA: fatos e contradições, os políticos e a revolta nacional


   Nas últimas semanas não foi difícil saber as razões e compreender os motivos pelos quais protestaram centenas de milhares de brasileiros em diversas localidades do país. Aproximando-se da abertura da Copa do Mundo, megaevento esportivo capitaneado pela multibilionária FIFA, greves e insurgências parecem cada vez mais frequentes e tendem a permanecer, “ameaçando” o bem-estar de uma elite ociosa e uma burguesia alienada que anseiam de todas as formas vibrar e torcer por sua amada seleção.
   Diferente do que esbravejaram candidatos e políticos da ala governista, principalmente do Partido dos Trabalhadores (PT), as manifestações não são frutos de uma conspiração política orquestrada pela oposição em ano de eleições. Tão complexo tornou-se discernir oposição e situação hoje no Brasil que tais argumentos são falhos desde seu nascedouro.
   Os protestos são legítimos e justos. A truculência e a barbárie do “contra-ataque” promovido pelo Estado através de corporações policialescas como a PM, por exemplo, são assustadoramente reais e escancaradas. Aos que almejam ordem a qualquer custo vale a indagação: é possível estabilidade nacional quando a grande parcela da população é diariamente marginalizada e a ordem e o progresso impostos a bordoadas e gás lacrimogêneo?
   Alguns fatos revoltantes veiculados pela imprensa engajada e mídias independentes sobre as contradições inexplicáveis relativas à organização da Copa do Mundo evidenciam a fragilidade das estruturas e instituições democráticas no Brasil. Chega a ser cômico achar que vivemos em uma democracia plenamente constituída, quando os traços mais latentes de uma ditadura permanecem como regras instituídas. Mas quem estaria por trás de tudo isso?
   Orientada pelo capital financeiro internacional e patrocinada por inúmeras empresas privadas, a FIFA exibe sua maxima autoridade quando coloca governos como o do Brasil – em lento desenvolvimento econômico e com gritantes desigualdades sociais – de joelhos perante seu poderio, controle e influências. Princípios democráticos e trabalhistas, sem contar os valores humanos mais básicos, são então descartados. Para a grande máfia do futebol estes valores inexistem. Para a democracia brasileira, prostrada ao grande capital em todas as suas instâncias, poderíamos dizer o mesmo.
   Nas redes sociais, botequins e encontros familiares se debate indignadamente a quantia de dinheiro público investido na Copa do Mundo. Ao certo, bilhões. Sem contar rombos, trocas de interesses e desvios milionários, tão caros à classe política brasileira e à FIFA. A questão principal talvez não seja essa. Afinal somos explorados e escamoteados desde o entrechoque civilizatório entre índios silvícolas e portugueses, séculos atrás. Pouco mudou desde que passamos de uma reles colônia para um país dito independente.
   Frente à exploração e a opressão diárias, o perigo maior seria a continuidade cega dessa mesma exploração e opressão diárias. Seríamos tão conciliatórios e cordiais assim? Desde as Jornadas de Junho de 2013, os protestos vêm mostrando a indignação de uma população que não aceita conversões descabidas como a que assistimos: bilhões em dinheir
o público convertidos não em livros didáticos, melhores salários, merenda escolar ou material hospitalar, mas estádios de futebol para estrangeiros e uma minoria privilegiada.
   Nos últimos meses a classe dirigente brasileira reprimiu grevistas e manifestantes, alterou legislações, omitiu dados, promoveu uma limpeza social chocante recolhendo pedintes e sem-teto dos grandes centros urbanos, e expulsando de suas próprias casas famílias pobres de comunidades faveladas próximas aos estádios da Copa, templos elitizados onde a “sujeira marginal” não pode ser vista, sentida ou tocada.
   Em suma, as manifestações que ocorreram e continuarão ocorrendo não são contra um partido, um politico ou um governo em especial – por mais que possam de vez em quando serem manobradas para tal. Vivemos uma nova era. Um tempo de insurgência e revolta contra todo um sistema de exploração e exceção permanentes. Enquanto caem as lascas da oca democracia brasileira, as pequenas fatias distribuídas ao povo já não são mais suficientes. Da maneira como seguem os acontecimentos, eleição alguma trará a mudança esperada.
   Aos conformados, entretanto, os jogos da Copa trarão enfim a tranquilidade almejada. Muitos não trabalharão e outros, alienados do que ocorre a sua volta e manipulados pela imprensa nativa, vestirão o verde e o amarelo, empunharão bandeiras e cantarão o hino nacional. Para eles, “críticos” ferrenhos do governo e experts em ciência política, nada mais importará. Copa é Copa, não é mesmo?
   Aos que almejam uma mudança brusca nas estruturas do Brasil e o investimento em ideias e soluções, a desmilitarização das polícias, uma profunda reforma política, uma maior conscientização ecológica, reforma agrária e urbana, democratização das mídias, entre outras questões de indiscutível importância, um recado: quando juntos, o poder passa das mãos do opressor para os punhos do oprimido. É ai que a revolução começa...

Fonte: jornal Itararé News, 11/06/2014

domingo, 18 de maio de 2014

O novo tempo do mundo: um manifesto crítico sobre o período em que vivemos

  

  Conflitos intermináveis, exploração e subordinação, catástrofes ambientais, repressão policial, superpopulação, redes invisíveis de comunicação de massa, indignação popular e o fim das democracias. No novo tempo que em temos vivido a emergência e a exceção impercebíveis pela maioria parecem desmembrar o sujeito globalizado. Ora estamos diante de tudo, ora estamos diante de nada. 
  O real e o virtual mesclaram-se. Conceitos, ideologias e valores perderam seus mais intrínsecos significados. As grandes metrópoles aumentam diariamente. A população parece triplicar a cada instante. Escórias crescem e a podridão escurece os ares urbanos. Perante uma crise política, econômica, social, ambiental e cultural sem um fim determinado, parecemos caminhar sobre uma corda bamba prestes a rebentar. Engolimos mentiras, assistimos a escândalos e aceitamos estatísticas inexistentes. 
  Abraçamos discursos vazios, programas falhos e privilégios gozados por uma minoria acéfala. Permanecemos submissos perante um sistema plutocrata, onde os que lucram comandam e orientam o porvir mundial. Suas vitrines anunciam novos preços, promoções imperdíveis e a cada milésimo um novo produto inovador inunda as lojas e se alastra pelo comércio global. A tecnologia cada vez mais obsoleta e inválida guia o compasso das mentes. Somos levados a consumir o que não podemos, o que não queremos e o que não precisamos. Sustentamos nossa própria destruição.
  Para conservar as falsas democracias ocidentais prostradas ao capital financeiro e aos grandes bancos mundiais, as fábricas orientais se transformaram em verdadeiros templos de exploração e escravidão. Ingenuamente utilizamos, vendemos e trocamos produtos que vertem sangue e suor de escravos modernos. Um vice-versa mercadológico macabro e angustiante.  
  Sem darmos conta nossos direitos mais básicos são surrupiados diariamente. No Brasil, a mão de ferro do Estado unido a oligarquias regionais e forças policialescas sufocam toda e qualquer manifestação, revolta e livre pensamento. Chacinas nas favelas e comunidades pobres tornaram-se recorrentes. Achamos que vivemos na plenitude de uma democracia quando os traços mais brutais de uma ditadura permaneceram como regras instituídas. 
  A riqueza, o poder e a barbárie sucumbiram à igualdade e à utopia. Não há projetos, planos e cartilhas. Partidos políticos e sindicatos vem perdendo pouco a pouco sua força motriz: a representação das massas. As relações tornaram-se líquidas, absurdamente instáveis. Em graus diversos estamos cientes do novo tempo que temos vivido. Mal deitamos precisamos levantar. O relógio atropela a realidade, assim como o trabalho e a exaustão eterna. Já não determinamos quem e como se controlam as riquezas produzidas pelo homem comum. Confundem-se as esferas públicas e privadas e nada conhecemos com certeza.
  Somos levados a acreditar que essa riqueza é distribuída entre todos, que não há pobreza extrema, que os jornais são imparciais e que a guerra e a fome são males do passado. Justamente quando toda informação recebida é o fardo de grandes corporações que visam ao lucro e ao lucro apenas, distorcendo fatos cotidianos e moldando a opinião pública. Quando ainda a indústria bélica é o norte das peças principais de um tabuleiro global movediço, marcado pela tortura, sanguinolência e a hierarquização das relações sociais. Vivemos um eterno apocalipse. 
  Obedecemos a demandas, regras e ideias instituídas simplesmente porque precisamos. Ou não nos resta alternativa ou estamos convencidos que simplesmente precisamos obedecer. Vivemos tempos de críticas transições. O consumo exacerbado, a alienação da realidade e a violência vinda dos degraus mais altos do poder demonstraram enfim que o progresso e o desenvolvimento não passavam de palavras vazias. E se estão cheias, atropelam tudo e a todos como um trem descarrilhado.
  A segregação e a exclusão social de minorias permanecem condutas invioláveis. Assim como os donos do poder, os donos da verdade e da razão próprias almejam espraiar seus ideais e hábitos para todos os espaços e grupos possíveis. A importância não reside no conhecimento e no respeito ao outro, mas na demonização do pensamento alheio. A verdade passa a ser única e universal. De tempos em tempos muralhas são construídas, guetos formados e novos campos de concentração, sem a contestação histórica merecida, são erigidos com irônica rapidez.  
  Se a moral do mundo foi convertida em dólar, focos de resistência parecem brotar nos lugares mais improváveis no início dessa década. As tensões aumentaram, assim como a intolerância de ambos os lados. Se findaram as ideologias e as representações, o novo tempo em que temos vivido parece anunciar um período imerso no que chamamos revolução global. Mediante esforços regionais e nacionais, virtuais e reais, começa-se a usar a globalização contra ela mesma. Ressuscita-se a besta fera chamada povo
  A tomada de consciência deverá ser global. Se não nos sublevarmos caminharemos rumo a construções distópicas de George Orwell e Aldous Huxley. Os traços mais obscuros dos futuros possíveis redigidos por ambos os profetas daquele e deste novo tempo parecem emergir com violência: aceitação, manipulação, ignorância, caos e decadência. Um tempo sem direitos, mas deveres e imposições. Finalmente, não mais existiremos. Nem moral, jurídica ou fisicamente. Seremos o que somos hoje. Meras estatísticas. Meros pontos no meio do nada. Alvos fáceis à beira da extinção. 

50 anos do Regime Militar Brasileiro: repressão, resistência e História.

   Há 50 anos a História brasileira dava uma guinada que transformaria para sempre a vida nacional, de seus sujeitos e sua estrutura. No dia 31 de Março de 1964 facções das Forças Armadas sustentadas por uma significativa parcela da sociedade brasileira (empresários, religiosos e uma tradicional classe-média urbana) e, não menos importante, financiados pelo governo dos Estados Unidos da América mediante a CIA e outros órgãos de segurança, destituíram o presidente democraticamente eleito João Goulart e instauraram um regime autoritário de direita. Um dia que duraria 21 anos.
   Goulart, presidente visionário que almejou transformar o país através das reformas de base (agrária, tributária, etc.), e diminuir as injustiças e desigualdades que assolavam o povo brasileiro, foi deposto sob o pretexto clichê de uma “ameaça comunista” – a instauração de um governo que tivesse como base ideológica o sistema e as ideias do filósofo alemão Karl Marx e de seus teóricos ao longo do tempo. Tal “espectro”, profetizou Marx em seu Manifesto, causaria em tempos futuros tamanho frenesi.  
   Tamanho “perigo” havia sido imposto no Leste Europeu, na China e por último em Cuba. Jamais no Brasil. Não com Goulart. Não em seu governo. Os ideais do presidente gaúcho eram outros.
   Se deixássemos à parte os interesses econômicos dos sujeitos por trás do golpe de 1964 e o espirito golpista, reacionário e conservador que permeou facções da sociedade brasileira durante todo século XX até aquele momento fatídico, todo o discurso do regime instaurado cairia por terra. Ao subirem no poder os militares, gradualmente, decretariam Atos Institucionais, dissolvendo a Constituição, o Congresso e as Casas Legislativas, instaurando a censura dos meios de comunicação e nas artes em geral e reprimindo o pensamento de esquerda (fosse ele comunista, socialista, trabalhista, etc.).
   Universidades foram violadas. Professores e alunos presos. Livros queimados. Com o aumento das desigualdades, das periferias e da corrupção, era perceptível que os sonhos de Goulart e suas reformas de base eram enterrados no mais fundo dos calabouços.
   O período em questão – onde o Exército Brasileiro usou e abusou dos métodos de tortura mais bárbaros e medonhos já conhecidos, de prisões arbitrárias, assassinatos e extinção das liberdades individuais – abriu brechas para grupos de guerrilha e de combate ao regime, influenciados pelos estudantes do Maio de 68 francês, resistissem nas sombras dos campos e cidades.  
   A música popular brasileira (MPB) também protestava tendo Chico Buarque, Geraldo Vandré, Milton Nascimento, entre outros, à frente das mais belas e calorosas canções de revolta. No exílio, políticos criavam teias de diálogo através de telegramas secretos e orquestravam a resistência e a oposição. Pensadores como Darcy Ribeiro e José Honório Rodrigues também não se calaram.
   Com o movimento das “Diretas Já!” nos anos 1980 e o desgaste do regime, de forma lenta e gradual, sentia-se soprar os ares da democracia. Hoje, ironicamente, se observa as permanências do regime militar em diversos âmbitos do Estado brasileiro, da Justiça à segurança pública. A meu ver, é provável, que tirando a Escravidão negra, o regime militar tenha sido uma das maiores desgraças históricas que se abateu sobre este país.
   Pior: e há quem o comemore. Dias atrás centenas de pessoas marcharam pela "Família com Deus pela Liberdade", numa tentativa demente de repetir o movimento ocorrido em Março de 1964, prelúdio civil-empresarial para o golpe militar. O almejado epílogo de tamanha insânia seria uma “intervenção” contra um governo dito “comunista” (o PT, o mesmo governo atrelado às classes conservadoras historicamente enraizadas). Não há proporções para tamanha demência e explicações para tamanho paradoxo.
   Por conta disso, e muitos mais, torna-se nosso dever discutir e rememorar um período tão conturbado e sombrio. É nosso dever eliminar todo e qualquer resquício que dele ainda persista em nossa sociedade, política e instituições. É bom dizer e repetir: DITADURA, NUNCA MAIS!


*Dedico este artigo ao meu falecido bisavô Sylvio Machado, honrado cidadão itarareense, que à sua maneira combateu uma das maiores fatalidades políticas de nossa História recente. 

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Novo ano, novas batalhas: o governo Ghizzi, as tramas da oposição e os anseios futuros.

    No ano que se passou não foram raras as vezes que discorri de forma crítica sobre nosso atual cenário político. Em artigos breves, alguns exageradamente prolixos, fui uma voz favorável ao governo Ghizzi e hostil às forças de oposição, vindas da Casa de Leis, de jornais sensacionalistas e outros espaços elitistas e inscientes da comunidade itarareense.
    Jamais deixei de esclarecer aos leitores os obstáculos financeiros e administrativos enfrentados pela máquina pública por Cristina e José Eduardo herdados. Uma máquina, diga-se de passagem, saqueada e corrompida durante décadas seja pela malícia de uns seja pelo remanso de outros.
    Devido às mudanças ocorridas nas estruturas de poder nos últimos meses de 2012 e no ano que se passou – a frustrante vitória nas urnas do governo Perúcio, o movimento civil contrário à reeleição levando quase 300 pessoas às ruas, o pedido e a cassação do prefeito por crimes eleitoreiros e a diplomação e vitória de Cristina Ghizzi via trâmites jurídicos – nos anais históricos de Itararé jamais foi registrado tamanho embate político.
    Neste ínterim as desrespeitosas e interesseiras forças de oposição se ergueram. Em rádios e jornais reacionários, vereadores e empresários vestiram suas peles de cordeiro acalentando uma população que, pensam eles, é o reflexo de um rebanho de alienados. Me pergunto quais deputados estariam por trás de tamanhas conspirações e quais peças irão mover neste novo ano que se inicia.
    No âmbito das forças governistas a gestão Ghizzi teve baixa logo de início. Houve críticas mordazes e pouca reflexão. Estranho que gestões anteriores, sustentadas sobre as bases da corrupção, sabendo das falhas e espertezas de seus principais articuladores, jamais os descartaram da máquina pública.
    É lamentável que “arranjos” e “concessões” tenham sido normalizadas em Itararé. E não apenas isso. Muito da cobiça e despreocupação que observamos atualmente nos mais variados setores da sociedade são permanências enraizadas em nosso município. Frações de nossas lideranças e autoridades jamais se deleitaram com o correto, o justo e o honesto. A política para estes sempre foi a arte de enganar e de usurpar aquilo que não lhes pertencia.
    Os anseios e metas para 2014 são inúmeros e o dinheiro público sendo tratado com zelo e transparência como está, avisto um futuro promissor. O governo deve permanecer resoluto e pronto para enfrentar os percalços vindouros. Por isso, chegou a hora da união a favor de Itararé. A hora de ler e criticar jornais. A hora de contra argumentar detratores e oportunistas. A hora de cobrar seriedade da nobre vereança que, como temos observado, tem transformado a tribuna em momentos de estrelato, se esquecendo do verdadeiro debate e do auxílio à população.
    Enfim, chegou a hora de impedirmos o retrocesso, revelar as tramas da oposição – que de moralmente límpida nada tem – e caminharmos juntos rumo à conscientização, ao ativismo e à participação de todos na esfera política. O governo Ghizzi tem a chance de mudar nossas vidas, e nós, cidadãos itarareenses, somos o motor desta mudança. Da Itararé que temos para a Itararé que queremos.

Itararé News - 08/01/2014