O que é o tempo? Se ninguém pergunta isso, eu não me pergunto, eu o sei; mas se alguém me pergunta e eu quero explicar, eu não o sei mais.
(Agostinho de Hipona)

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Pio XII e a omissão assassina

Diplomata, erudito e o mais poderoso sacerdote do século XX, Eugenio Maria Giuseppe Giovanni Pacelli, também conhecido como Pio XII, comandou o papado durante uma das eras mais aterrorizantes da História contemporânea: a II Guerra Mundial. Falar de sua vida e de seu envolvimento com os regimes totalitários vigentes na época é falar mentiras e verdades, sempre questionar se aquilo realmente ocorreu ou não. Porém, o que todos os estudiosos, católicos ou não, concordam em gênero, número e grau é que a instituição religiosa mais poderosa do Ocidente foi omissa e silenciou-se perante o massacre de judeus na Alemanha nazista. Teria Pio XII sabido de todo o extermínio? Teria a Igreja de Roma colaborado com um dos maiores genocídios da História? Peter Godman, professor e estudioso da Universidade de Roma, escreveu em seu livro “O Vaticano e Hitler: A Condenação Secreta”: “Talvez seja a hora de desviarmos nossa atenção dos desgastados temas da responsabilidade pessoal de Pio XII pelo Holocausto e da culpabilidade coletiva da Igreja e de começar a escutar as vozes ignoradas que vêm de dentro do Vaticano”.

O que Peter Godman quis dizer? Antes de entendermos tudo isso, vamos nos aproximar do contexto da II Guerra. Durante a metade da década de 30, Adolf Hitler e Benito Mussolini haviam instalado sistemas ditatoriais em seus determinados países, Alemanha e Itália. Contra a dupla tirânica estavam Franklin Roosevelt, presidente dos EUA e Winston Churchill, primeiro-ministro inglês. A Europa havia se tornado um grande campo de batalha e a maioria dos países do globo estavam envolvidos. No meio disso tudo, o papado optou pela neutralidade. Será? Bom, dentro do Vaticano uma crise ideológica estava instalada. Forças clericais ora eram a favor de Hitler ora eram contra. “Muitos católicos olhavam para os judeus como os assassinos de Cristo, e Hitler aprendera bastante sobre a atracção política do anti-semitismo de partidos católicos de direita”, afirma o historiador Eamon Duffy em seu livro “Santos e Pecadores”. Porém, em meio a essa conturbada sucessão de eventos, algo mais misterioso ocorreu. Antes mesmo dos judeus serem levados para os campos de concentração, antes até mesmo de Hitler recitar seus famosos discursos sobre a raça germânica pura, uma reunião envolvendo a Alemanha e o Vaticano aconteceu no dia 20 de julho de 1933 – enquanto Eugenio Pacelli era apenas um diplomata da Igreja. Dentro dessa reunião foi assinada uma concordata, ou seja, um acordo entre a Santa Sé e o governo nazista. Nesse acordo foram concedidas vantagens religiosas e educacionais à Igreja Católica alemã, em troca de seu afastamento das ações sociais e políticas que se desenrolavam na época. Sem se manifestar, a Igreja seria apenas uma “espectadora”. Uma jogada de mestre, não acha? “Essa abdicação ‘voluntária’ do catolicismo político, imposta em Roma, facilitou a ascensão do nazismo”, afirma o professor John Cornwell, autor do livro “O Papa de Hitler”. Teria Pio XII, ultraconservador, anticomunista e extremamente inteligente, facilitado a ascensão de um dos seres mais cruéis de toda a humanidade?

Sabemos que Pio saudou Hitler com uma bela carta, datada em 06 de março de 1939, onde ele dizia: “Recordamos com grande prazer os muitos anos que passamos na Alemanha como Núncio Apostólico, quando fizemos tudo que estava ao nosso alcance para estabelecer relações harmoniosas entre a Igreja e o Estado. (...) Que a prosperidade do povo alemão e seu progresso em cada parte venham, com a ajuda de Deus”.

Bem, verdade ou não, foi permanecendo omisso que Pio XII salvou a Igreja de um conflito direto com Hitler. A própria ainda perdeu mais credibilidade e moral quando não condenou nem mesmo as práticas brutais dos fascistas italianos. Hoje em dia, padres e autores católicos afirmam que o papa fez de tudo para salvar as vidas de judeus e de outros perseguidos em Roma, já outros autores discordam amargamente. Porém, a crise no qual o papado vivia durante a guerra era evidente. Clérigos dentro do Vaticano lutavam para que o mundo soubesse de toda a verdade, enquanto outros ajudaram até mesmo nazistas famosos a fugir para outros países quando Hitler foi derrotado em 1945 – como fez o bispo austríaco Alouis Hudal, ajudando generais e doutores nazifascistas atravessarem o Atlântico. E Pio? Covarde. Simplesmente é o que eu tenho a dizer. “Por uma questão de temperamento, formação e profunda convicção, Pacelli evitava a denuncia”, afirma Eamon Duffy. O papa, por mais que poderoso apenas no âmbito ideológico/diplomático, tinha muitas cartas em seu baralho que não foram usadas. Discursos vazios, encíclicas frias e uma condenação apenas voltada para os bastidores, fizeram dele um tremendo perdedor, um fraco. Muitos o consideram até mesmo um anti-semita. “Dentro dos limites estabelecidos pela política da Igreja, a liderança [contra Hitler] se manifestou, mas a indecisão prevaleceu e a planejada condenação foi excluída”, afirma Peter Godman. Indecisão? Será que Pio XII era tão frio e calculista a ponto de saber o que o Estado nazista fazia com as pobres crianças judias e ainda sim não manifestar-se? Não seria a primeira vez que o trono de São Pedro seria manchado de sangue e, certamente, também não seria a última.

Luis Felipe Machado de Genaro

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