O que é o tempo? Se ninguém pergunta isso, eu não me pergunto, eu o sei; mas se alguém me pergunta e eu quero explicar, eu não o sei mais.
(Agostinho de Hipona)

domingo, 6 de novembro de 2011

Um Plano Medieval

A Idade Média, outrora demonizada pelos intelectuais renascentistas, foi uma era de profundas transformações políticas, sociais e culturais. A mesma época arrastada pelos protestantes, artistas e anticlericais para o abismo da ignorância, teve sua própria leva de reis, papas, nobres, trabalhadores e intelectuais como qualquer outra. Sendo a Igreja Católica Apostólica Romana a ditadora das regras ideológicas e culturais e o feudalismo o sistema socioeconômico hegemônico, a Europa foi sendo transformada de séculos em séculos, através de guerras sangrentas, cruzadas e tensas diplomacias entre o Império e o Papado. Os mosteiros foram espalhados por Carlos Magno, assim como as primeiras universidades surgiram. Mas quem foram os seus principais pensadores? Quem moldou – mesmo que utopicamente – a “Idade das Trevas”? Além dos diversos pensadores religiosos, como Santo Agostinho, para responder essa pergunta recorri à obra “As Três Ordens” do famoso medievalista Georges Duby, renomado historiador francês; e aos trabalhos do filólogo e mitógrafo Georges Dumézil. Duby, em seu livro, nos remete a mesma questão que hoje faço a vocês: Quem pensou a sociedade medieval que hoje estudamos nas escolas e universidades?

A resposta não é nada simples. No século XI, dois bispos do alto clero da Igreja de Roma, sábios e politicamente influentes, Adalberão de Laon e Gerardo de Cambrai, formularam o projeto medieval de sociedade perfeita, baseada nas três ordens que remontam o gênero humano: os que rezam, os que lutam e os que trabalham, resumindo, os sacerdotes do clero, os nobres guerreiros e os camponeses. O projeto era esse: “Alguns rezam, outros lutam e outros trabalham. As três ordens vivem juntas e não podem ser separadas. Os serviços de cada uma dessas ordens permitem os trabalhos das outras duas e cada uma por sua vez presta apoio às demais. Enquanto esta lei esteve em vigor, o mundo ficou em paz.” O filólogo Georges Dumézil já foi direto ao ponto quando afirmou: (...) “desde a origem, o gênero humano se dividiu em três: as gentes de oração, os agricultores e as gentes de guerra”.

É claro que um projeto de sociedade perfeita não sai exatamente do jeito que é formulado. Nós todos sabemos que a teoria é bem diferente na prática. A Idade Média contou com outras classes sociais, outras profissões; os preceitos religiosos dos pagãos antigos ainda reinavam nas densas florestas européias. Entretanto, aquilo que era instituído pelo Estado e pela Igreja deveria ser seguido – mesmo que apenas publicamente. O projeto social da dupla de bispos franceses era equivocado e tendencioso, já que a Igreja seria o centro da paz e do louvor a Deus, enquanto camponeses padeciam lavrando a terra dia após dia, de sol a sol. Penso, é claro, como um ser do século XXI, porém, não deveria. Estes seres estão, temporalmente, distantes de nós. Suas ações devem ser mantidas em sua época e sua própria mentalidade.

Interessante, as três ordens ditadas pelos bispos Adalberão e Gerardo, já haviam sido pensadas anteriormente pelo papa Gregório I, quando o mesmo redigiu uma carta dirigida para os bispos de Childerico, “convidando-os a reconhecer a primazia do bispo de Arles”; em agosto de 595: “Que a criação não pode governar-se em igualdade é o que nos demonstra o exemplo das milícias celestes: há anjos e arcanjos que, manifestamente, não são iguais, diferindo uns dos outros pelo poder, pela ordem”. É, se o próprio Céu é desigual, imaginemos a Terra.

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