O que é o tempo? Se ninguém pergunta isso, eu não me pergunto, eu o sei; mas se alguém me pergunta e eu quero explicar, eu não o sei mais.
(Agostinho de Hipona)

segunda-feira, 21 de maio de 2012

A Comissão da Verdade e a Ditadura Militar Brasileira

Recentemente a presidente Dilma Rousseff orquestrou algo que há muito tempo deveria ter sido orquestrado: a Comissão da Verdade. Um grupo formado por sete pessoas que terão dois anos para apurar diversas violações aos direitos humanos, ocorridas entre 1964 e 1988, o período ditatorial brasileiro. Na comissão, há juristas, um ex-ministro da Justiça, advogados e um psicanalista. Esses profissionais se infiltrarão nos documentos a respeito dos acontecimentos políticos e das barbáries cometidas em um dos períodos mais obscuros da História do país. Enquanto na América Latina, diversas comissões já haviam sido organizadas, no Brasil, pouco se falava sobre isso. “A desvantagem de quase 30 anos na criação da Comissão da Verdade brasileira, pode se tornar um fator positivo. Se, por um lado, o correr do tempo pode dificultar a investigação dos fatos, por outro pode ser um fator de independência para o trabalho de seus integrantes, uma vez que não mais a necessidade de garantir a transição: a democracia consolidada afasta qualquer possibilidade de se invocar o temor de um golpe militar para frear os trabalhos da comissão”, afirma a jornalista Luciana Taddeo. Entretanto, para que tudo compreendamos, há necessidade de regressarmos para o dia 1º de Abril de 1964, quando foi deposto pelas Forças Armadas o então presidente democraticamente eleito João Goulart (Jango).

O conflito conhecido como Guerra Fria se alastrava pelo mundo. De um lado do mapa se encontrava a grande potência capitalista, os Estados Unidos. Já do outro, a potência socialista, a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Ambas haviam saído “vitoriosas” da II Guerra Mundial e tentaram, de diversas maneiras, estabelecer sua influência por todo o planeta. Após a conspiração arquitetada em 1963 para assassinar o presidente norte-americano John Kennedy, os caminhos para aqueles que almejavam uma total e bruta influência capitalista nas Américas estavam limpos, como seu sucessor, Lyndon Johnson. Que o suporte financeiro do governo norte-americano para com as ditaduras militares na América é um fato, ninguém pode negar. Em um dos documentos diplomáticos do Depto. de Estado dos EUA se faz presente a seguinte frase: “Se falharmos agora, não teremos apenas uma outra Cuba, e sim uma outra China em nosso continente americano”. No Brasil, João Goulart saía constantemente às ruas protestar contra o brutal imperialismo capitalista e a favor de diversas reformas sociais. Os EUA temiam que o mesmo travasse uma espécie de “cruzada comunista” na América e chegaram a enviar um navio porta-aviões para dar suporte aos membros do Exército, caso necessário durante o golpe. “Nas altas horas da noite de 31 de março o golpe tinha uma bandeira: tirar Jango do poder, para combinar o resto depois”, afirma o jornalista Elio Gaspari. Foi então que os militares anunciaram uma “intervenção política” como sendo passageira e com o intuito de reorganizar o país. Em 09 de Abril, os líderes do Comando Supremo da Revolução instituíram o Ato Institucional nº I, dando aos oficiais o poder de alterar a Constituição, cassar mandatos e suspender direitos políticos. Logo, o país se viu liderado por dirigentes opressores e ultraconservadores, que tinham como objetivo deter uma suposta “ameaça comunista”. Novos “Atos Institucionais” viriam a ser decretados, os partidos e intelectuais de esquerda começariam a ser perseguidos – e claro, sem qualquer possibilidade de realizar oposição ao governo, formar-se-iam movimentos estudantis e guerrilhas, influenciados pelos estudantes do “Maio de 68” e pelos socialistas russos. A liberdade dos indivíduos foi abolida e a imprensa, censurada. A “reorganização nacional” que deveria ter durado apenas 1 dia, durou 21 anos. “(...) a modalidade de tortura ganhava eficácia quando associada a golpes de palmatória ou aplicações de choques elétricos, cuja intensidade aumenta se a pessoa está molhada. O Exército brasileiro tinha aprendido a torturar”, afirma Gaspari.

Em 1979, graças à pressão da população civil e de sindicatos trabalhistas, o governo começou a “levantar a âncora repressiva”. Porém, somente em 1984, com o famoso movimento da oposição conhecido como “Diretas Já”, levando dezenas de milhares de pessoas às ruas, que a cortina de chumbo finalmente derrocou-se. Hoje, posso dizer que confio no trabalho da Comissão da Verdade, torço para que Dilma consiga mais “brechas” para trazer a memória daqueles que foram violentamente torturados e assassinados de volta para os olhos de uma sociedade e de famílias que almejam respostas. Lamentavelmente, em razão da burocracia e até mesmo dos pilares que regem o aparelho de Estado, os velhos assassinos ainda estão em liberdade, acobertando e sendo acobertados por uma elite militar altamente estratégica, emaranhada nos mais altos escalões da nação; dentro dos quartéis e das reuniões no Palácio do Planalto. Senhores de uma instituição repressora que, anualmente, enganam e lavam a mente de jovens em busca de novos recrutas, pobres peões nas mãos de falsos patronos, falsos defensores.

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