O que é o tempo? Se ninguém pergunta isso, eu não me pergunto, eu o sei; mas se alguém me pergunta e eu quero explicar, eu não o sei mais.
(Agostinho de Hipona)

terça-feira, 5 de junho de 2012

Uma anarquia celestial

Deve-se olhar para o Palácio Apostólico atualmente com um viés extra-espiritual. No centro de um tornado de problemas, a Colina Vaticana compromete-se a si mesma e transforma-se em um turbilhão de crises e conflitos que se desenrolam majoritariamente fora dos limites de compreensão do ostensivo contingente de fiéis que, em razão dessas mesmas crises, migram sem alternativas para diversas outras seitas ou comunidades reformadas. Pensava-se piamente que os velhos senhores do círculo cardinalício e dos bispados estavam fadados, após a onda cientificista, progressista e ilustrada, a serem meros sacerdotes e chefes espirituais, homens que vivem da ilusão e da ideologia, velhos que ajoelhados recitam o rosário duas dúzias de vezes ao dia. O que menos se imaginava é que em plena contemporaneidade a Igreja Católica, agrademo-nos ou não, tem convivido com aquilo está presente desde os seus primórdios, por mais irônico e a-histórico que isso soe. A corrupção, o tripúdio, o sigilo, a ânsia pela dominação e as diversas maquinações fazem parte dessa conjuntura incognoscível; são como espectros que se materializam como “naturalidade”. Ao subirmos os degraus da escadaria do poder na hierarquia eclesiástica começamos a compreender vagamente que essa multifacetada instituição é gerenciada por um aparato burocrático de influentes indivíduos dotados de uma sapiência político-administrativa admirável, que vivem em magnificência e ostentam o privilégio de estarem enveredados nas perversões do sistema-mundo. Emaranhados em uma teia de relações que se fiam entre governantes e governados e que, em determinadas situações, se engendram tão violentamente em assuntos políticos, econômicos e sociais, que nos esquecemos de que quem estamos realmente falando. Fica claro quando afirmamos que ainda resta no Velho Continente um ancient régime, um monarca absoluto que detém para si um Estado, riquezas, arquivos, antiguidades, súditos – e seus complôs –, déficits e superávits, e não somente capelas pagãs “cristianizadas” e cruzes forjadas a ouro. Um rei que sob a égide da infalibilidade verbal, guia e monitoria almas imperfeitas, dóceis ovelhas e famintos lobos. Não devemos pensar que a atual mídia internacional, mesmo envolta de manipulações alienantes, vem fazendo um trabalho inquisitorial perante tais homens de batina, colocando no banco de réus o corpo de Cristo e de seu Vigário. Devemos ter a decência e a mínima sagacidade, diria eu, de olhar para o passado e cruzar uma linha tênue entre a santidade – e a sanidade de tal conceito – e a teatral podridão que desde a primeira pedra posta por Constantino vem sendo bárbara e maravilhosamente representado. Um teatro de redenção, onde paga-se o ingresso, e usurpam-te a alma.

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