O que é o tempo? Se ninguém pergunta isso, eu não me pergunto, eu o sei; mas se alguém me pergunta e eu quero explicar, eu não o sei mais.
(Agostinho de Hipona)

quarta-feira, 11 de julho de 2012

Materialistas e Ilusionistas

Não é necessário ser um marxista convicto para compreender e refletir sobre as teorias, obras e influência de Karl Marx em quase todos os campos do conhecimento humano após o século XIX – e não apenas no âmbito da economia como muitos um dia almejaram ser. Marx, filósofo, economista e historiador alemão, é reconhecido até hoje como um dos pensadores mais importantes de toda a História, quase sempre conhecido em razão de suas duas obras principais: O Capital e o Manifesto Comunista. Entretanto, a problemática aqui não é tratar de sua vida ou de seus trabalhos, mas propor uma análise em relação à crise econômica que assola o continente europeu. Deixando o “preconceito comunista” alimentado por muitos de meus leitores, vamos nos aprofundar em um trecho na obra de Marx que trata de um assunto pouco explorado fora das universidades: a representação da classe dominante contida na obra “A Ideologia Alemã”, transposta obviamente para as crises que permeiam a atualidade – nunca esquecendo que esta obra é um documento histórico, é claro. Na teoria marxista, afirma-se que dentro da classe dominante, ocorre uma espécie de  divisão prático-teórica entre material e espiritual.


Marx deixa claro na “Ideologia Alemã” que “as idéias da classe dominante são, em todas as épocas, as idéias dominantes; ou seja, a classe que é a força material dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, sua força espiritual dominante”. Marx voltava-se contra os burgueses da época, que logicamente possuíam a força material dominante. No entanto, ele se volta contra a força espiritual que também se encontra nas mãos dessa mesma classe – que seriam para época os ideólogos da classe, os criadores de ilusões e representações, logo os jovens hegelianos de esquerda, seguidores do filósofo alemão Georg Hegel, que havia criado anteriormente um complexo sistema metafísico para se contar a trajetória da História, onde um Espírito cósmico – e absoluto – reinava na razão dos homens. Pensemos agora: a classe dominante se divide entre material e espiritual. Uns detém o capital e os meios de produção (logo comandam a sociedade e sustentam a desigualdade social), já outros detém o poder de criar ilusões que legitimam essa mesma classe.

Em 14 de janeiro de 2012, trancafiados por meia hora em um suntuoso escritório na fortaleza de São Pedro estava o primeiro-ministro da Itália, Mario Monti, respeitado economista e membro vitalício do senado italiano, e o Sumo Pontífice do Estado da Cidade do Vaticano, Joseph Ratzinger, ou Bento XVI. Ao saírem, em frente aos jornalistas e fotógrafos, o pontífice elogiou as ações da Itália ao “combater” a crise econômica. A Itália, assim como muitos países europeus que seguem o modelo de austeridade da chanceler alemã, Angela Merkel, controlam os gastos públicos e cortam despesas “desnecessárias”, o que resulta na diminuição salarial de milhares de trabalhadores, aumento de impostos, suspensão de aposentadorias e cortes de empregos em massa, gerando violentas turbulências sociais, epicentro onde as massas suplicam e clamam por mudanças. Bento XVI pede “coragem” a Mario Monti, legitimando suas ações políticas. Neste mesmo encontro ambos trocaram valiosos presentes e se acomodaram nas luxuosas poltronas estofadas do escritório papal. A conversa parecia ter sido produtiva. Enquanto o pandemônio financeiro pairava – e ainda paira – sobre as classes baixas por todo o Ocidente, aquele que sustenta a força espiritual, o papa, reza para que essas mesmas almas imperfeitas prostrem-se perante as “corajosas” ações da Itália, guiada pelo pilar material, o primeiro-ministro italiano. Monti afirmou em junho: “Estamos em crise novamente!”. Enquanto isso, o Banco Vaticano transforma-se numa lavanderia de dinheiro sujo e, para tal tarefa, estão à disposição políticos italianos poderosos, empresários potentes, cardeais endinheirados e chefões da máfia siciliana. A corrupção financeira parece atormentar, novamente, a Colina Vaticana.

O historiador britânico Eric Hobsbawm estava certo quando disse que muito da teoria marxista pode ser transposta para os dias de hoje. E neste caso qualquer semelhança, caro leitor, é mera coincidência.

Nenhum comentário:

Postar um comentário