O que é o tempo? Se ninguém pergunta isso, eu não me pergunto, eu o sei; mas se alguém me pergunta e eu quero explicar, eu não o sei mais.
(Agostinho de Hipona)

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Ou César ou Cristo


Uma análise a respeito da relação entre a política e a religião.

“Dai, pois, a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus”. Esta frase teria sido proferida supostamente por Jesus de Nazaré, segundo os evangelhos sinóticos cristãos – e também alguns evangelhos apócrifos como, por exemplo, o de Tomé. Amplamente citada e criticada ao longo dos séculos, a frase pôde ser facilmente transposta para diversos contextos históricos, da conversão de Constantino na Antiga Roma até os conflitos entre políticos egípcios na Primavera Árabe. A questão, no entanto, permanece. Afinal de contas, a religião e a política são campos humanos distintos? Não somente esta questão deve ser analisada com profundidade, mas outras questões periféricas devem ser abarcadas: atualmente, a religião e a política unem-se contra, ou a favor, de um interesse em comum? O Estado brasileiro, mesmo após a proclamação da República e de sua lenta laicização, continua atrelado e influenciado por táticas e doutrinas religiosas? 

Quando Roma tornou-se oficialmente cristã através do Édito promulgado por Teodósio; quando o Papado fez-se transparecer em todos os cantos da sociedade medieval, ou mesmo quando o rei inglês Henrique VIII criou sua própria religião nacional, e até mesmo quando muçulmanos derrubaram as Torres Gêmeas no dia 11 de Setembro, teria a religião, ou a fé, se desvinculado das questões político-econômicas, militares ou nacionais? A resposta seria, evidentemente, não. Durante séculos, a religião engendra-se, ou intrinca-se violentamente com os interesses políticos de certa classe privilegiada – seja na teocracia egípcia faraônica, nas batalhas medievais travadas por Carlos Magno, na França católica de Catarina de Médici ou até mesmo nos Estados Unidos de George W. Bush. Atualmente, no entanto, aqueles que pensavam que a religião, principalmente a cristã, tinha sido esquecida, equivocaram-se.

Um exemplo clássico é a Igreja Católica no Ocidente. Desde o Concílio de Nicéia ocorrido no século IV, a Igreja mesclou-se com o Estado romano, foi mediadora entre os invasores germânicos e os romanos decadentes, legitimou sanguinárias cruzadas visando a expansão da Cristandade, monitorou e foi detentora de terras e posses na Península Itálica e, fundamentada nos preceitos doutrinários, moldou violentamente os costumes ocidentais à sua maneira – maneira de agir, pensar e sentir. Obviamente, temos de analisar a Igreja Católica em seus períodos específicos, através da mentalidade histórica da época e de contextos singulares. Não obstante, até os dias de hoje, a instituição possui embaixadores em diversos países, secretários de Estado, uma cadeira nas Nações Unidas, uma constituição, um centro financeiro, jurisprudência, um Estado nacional de 44 hectares, um monarca eletivo e senadores espirituais. 

A bancada evangélica também não fica para trás. São recorrentes as manchetes jornalísticas onde pastores evangélicos anulam sua neutralidade, se é que ela existe – principalmente em épocas de eleição – e assumem riscos, discursam calorosamente e promovem candidatos a cargos de seu interesse. Um exemplo fértil seriam as eleições para a prefeitura da cidade mais “rentável” do país. Russomano e Edir Macedo, Haddad e Malafaia, José Serra e bispos católicos, movem-se como ardilosas marionetes em um teatro redentivo – mas lucrativo – onde debates, calúnias e ataques corrosivos, ideologicamente esculpidos, tornam-se armas mordazes contra a própria conjuntura de féis e cidadãos sem religião. Para se ter uma ideia da extensão do problema, o renomado jornal norte-americano, La Times, publicou um artigo intitulado: Brazil's evangelical churches rewrite the rules of politics, ou Igrejas Evangélicas brasileiras reescrevem as regras da política. De uma colônia controlada pela Roma católica, passamos a ser controlados por uma teia de pequenas igrejas, fortificadas pelos muros da política. Quem não se lembra da última eleição presidencial, onde Dilma Rousseff e José Serra trocaram acusações religiosas e a população, pela fé, dividiu-se? Até mesmo o Sumo Pontífice, Bento XVI, discursou para os fiéis brasileiros, suplicando para que não votassem em candidatos favoráveis a legalização do aborto – fazendo alusão à candidata petista. 

Segundo o teólogo José Carlos Pereira, “a religião pode der instrumento de poder e garantir, com isso, a legitimidade do poder político, ao passo que a ação política também pode servir de retaguarda para garantir a legitimidade religiosa”. A religião e a política juntas, podem trilhar caminhos tortuosos, algo que precisamos a qualquer custo, evitar. Em uma entrevista para o jornal Folha de S. Paulo, o bispo católico paulistano, dom Fernando Figueiredo, afirmou que, nesta eleição municipal, o engajamento político da Igreja Católica mostrava-se inédito. Na trave sr. bispo, na trave. Desde que a frase do evangelho separando Cristo de César foi redigida, por um literato anônimo nos centros urbanos da Palestina, ela nunca foi seguida as riscas por seus leitores - não como apedrejar a mulher adúltera ou não manter relações homossexuais. O que para certos cristãos são pecados mortais. Irônico, não?

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