Recentemente tive a oportunidade de ler alguns poemas extraordinários que encontrei em livros raros na vasta e plural biblioteca de meu falecido bisavô, Sylvio Machado. Uma das raridades encontradas chama-se A velhice do Padre Eterno, uma compilação de versos de autoria do poeta, político e jurista luso-brasileiro Guerra Junqueiro.
Neste livro, a crítica ferina ao poder aristocrático e tirânico dos prelados e clérigos, principalmente do alto clero católico brasileiro - nos períodos de transição da monarquia para a república - tornou-se o alvo do notório escritor. Sua crítica se estende também ao cinismo religioso, principalmente da nobreza, e ao cristianismo institucional.
Leia agora um de seus poemas mais característicos. Chocante e bastante intrigante, Junqueiro faz uma crítica mordaz ao poderio terreno dos Pontífices sobre o mundo. Intitulado Fantasmas, o poema traz elementos distintos que, apenas através de uma análise mais cautelosa, poderíamos reconhecer, por exemplo, a mescla de períodos históricos como a Renascença Italiana e a Revolução Francesa (que podem ser observados por conta dos personagens como o papa Alexandre Bórgia e os "fantasmas", Liberdade, Igualdade e Fraternidade).
Neste livro, a crítica ferina ao poder aristocrático e tirânico dos prelados e clérigos, principalmente do alto clero católico brasileiro - nos períodos de transição da monarquia para a república - tornou-se o alvo do notório escritor. Sua crítica se estende também ao cinismo religioso, principalmente da nobreza, e ao cristianismo institucional.
Leia agora um de seus poemas mais característicos. Chocante e bastante intrigante, Junqueiro faz uma crítica mordaz ao poderio terreno dos Pontífices sobre o mundo. Intitulado Fantasmas, o poema traz elementos distintos que, apenas através de uma análise mais cautelosa, poderíamos reconhecer, por exemplo, a mescla de períodos históricos como a Renascença Italiana e a Revolução Francesa (que podem ser observados por conta dos personagens como o papa Alexandre Bórgia e os "fantasmas", Liberdade, Igualdade e Fraternidade).
O vigario de Deus na terra disse um dia
Aos batalhões do clero:
Tragam-me o manto d'oiro e seda que cobria
As espaduas de Nero.
E trouxeram-lhe o manto, um manto do brocado,
Da purpura mais fina,
Com escarros de lodo obsceno, inda empastado
No sangue de Agripina.
E o papa continuou: «Preciso armar o braço,
Para dictar as leis;
Fabriquem-me uma espada enorme com o aço
Das espadas dos réis.»
E trouxeram-lhe o gladio. O papa ficou mudo,
N'um assombro d'espectro.
De subito exclamou: «Ainda não é tudo;
Tragam-me agora um sceptro!»
Trouxeram-lh'o. E depois d'um silencio profundo
Rugiu como um leão:
«Tragam-me agora o mundo!» E pozeram-lhe o mundo
Na palma da sua mão.
E sopesando o globo e arrancando o montante
Enorme da bainha,
Bradou pela amplidão: «Sou Jupiter-tonante!
Humanidade, és minha!
Eu tenho o gladio e o sceptro, a excomunhão e a bulla;
Sou o Deus, sou a Fé.
Miseravel reptil, Humanidade, oscula
A ponta do meu pé!»
E sentando-se sobre o coração da Italia
O satrapa romano
Estendeu desdenhoso o bico da sandalia
Para o genero humano!
II
N'esse instante um fantasma entrou nos regios paços.
Sereno e formidavel.
Encarou fixamente o rei, cruzando os braços
No peito inabalavel,
E trovejou, deixando o papa sacrosanto
Livido, espavorido:
«Sou a Fraternidade. Entrega-me esse manto
E essa espada bandido!»
Despedaçou-lhe o gladio e a tunica purpurea,
E sahiu triumfal.
E o papa horrorisado, espumando de furia,
Uivou como um chacal:
«N'esta invencivel mão d'abutre encarquilhada
Guarda o melhor thesoiro.
Ficou-me ainda o sceptro. Era de ferro a espada...
Prefiro o sceptro... é d'oiro!»
E o papa viu então, oh tragica anciedade
Um vulto sobrehumano
Avançar e bramir: —O meu nome é Egualdade;
Dá-me o sceptro, tyranno!
Quebrou o sceptro e foi-se. E o papa, como um lobo
Sombrio respondeu:
«Na minha forte mão ainda sustento o globo...
Ainda o globo é meu!...»
E desatou a rir... um riso sanguinario
De panthera. Depois
Surgiu novo fantasma herculeo, extraordinario,
Maior que os outros dois.
E como o rebentar potente d'um trovão
Que abala a immensidade
O fantasma rugiu: — Não me conheces, não!
Chamo-me a Liberdade!
«Venho buscar o mundo. Entrega-o, salteador!
É meu o globo, harpia!»
E arrancou-lh'o. Soltando um grito, no estertor
Convulso da agonia,
Tombou por terra o papa. E repentinamente
Viu surgir-lhe do lado
Um esqueleto a rir, todo fosforecente,
Podre, desengonçado,
Que he disse: — Morreu, ó Papa, o nosso imperio,
Morreu o mundo antigo.
Tu chamas-te Alexandre, eu chamo-me Tiberio...
Vem-te deitar commigo!...
E como um caçador fantastico que leva,
Sangrenta e moribunda,
Uma hyena a gemer, de rastos, pela treva
N'uma noite profunda,
O esqueleto levou para a crypta sombria
O cadaver do irmão,
Indo dormir os dois na eterna mancebia
Da mesma podridão!
Quando você leu pra mim esse poema, eu fiquei em estado de choque com o brilhantismo que o autor retrata a questão do monopólio papal do poder, de início, com palavras mais "pesadas", fazendo o leitor sentir o lado "sombrio" do poema. E depois, os fantasmas da Revolução Francesa, narrados de forma heroica, como se tal narração nos fizessem sentir que a esperança realmente veio com o espetro de tais fantasmas: Fraterninade, Igualdade e Liberdade.
ResponderExcluirA escolha do poema foi de grande inteligência e o texto introdutório pode localizar o leitor, seja ele um conhecedor de fatos históricos marcantes ou não.
Meus sinceros Parabéns!
Errata: espectro*
ResponderExcluirFazia tempo que eu entrava aqui e não achava nada de novo. Fiquei feliz em acessar o site e encontrar esse post. Algo diferente do que eu estava acostumado a encontrar aqui, porém super válido. Continue inovando e não deixe o seu blog de lado. Abraço!
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