O que é o tempo? Se ninguém pergunta isso, eu não me pergunto, eu o sei; mas se alguém me pergunta e eu quero explicar, eu não o sei mais.
(Agostinho de Hipona)

sexta-feira, 19 de julho de 2013

O Papa e as Nações Unidas: os crimes sexuais da Igreja na ONU

“Prefiro uma Igreja que erra, mas que faz, do que uma Igreja que adoece porque permanece fechada”. Não, essa frase não foi proferida durante a conflituosa aproximação do catolicismo com o mundo moderno, concedida pelo Concílio Vaticano II, considerado um “divisor de águas” na história da Igreja Católica, e sim em nossa atual era das incertezas, pelo digníssimo pontífice Jorge Mario Bergoglio. Hoje o papa argentino enfrenta sua primeira onda de crises, enquanto aguarda futuros tsunamis.

Enquanto renúncias e prisões se desenrolam na máquina financeira central da Igreja, o Instituto para Obras Religiosas, a Cúria revê os últimos preparativos para a vinda de Francisco para o trópico dos pecados, o Brasil. Não obstante, e ao mesmo tempo, a Organização das Nações Unidas exige explicações ao núncio apostólico em Nova York, clérigo-embaixador presente na ONU, sobre um assunto já dado por “esquecido”. Notícias reportadas em Genebra colocam novamente a Igreja em maus lençóis. Dessa vez, até o dia 1º de novembro a Santa Sé precisará responder quais os procedimentos tomados a respeito de padres que abusaram sexualmente de crianças; qual a assistência dada pelo Vaticano às vítimas; e informações detalhadas sobre todos os casos e denúncias. A história por trás disso tudo, no entanto, é muito mais longa e obscura que poderíamos imaginar.


Desde o pontificado de João XXIII (1958-1963), o Vaticano vem orquestrando sistemáticas estratégias visando à contenção de escândalos de pedofilia que possam expor a instituição e ferir suas prerrogativas éticas e morais. Em março de 1962 o Santo Ofício emitiu um documento embasado no Código de Direito Canônico, a magna carta do catolicismo, visando métodos de reter informações difamatórias, abafando-as. O documento, Crimen Sollicitationis (Crimes de Solicitação), foi enviado para todos os bispados do mundo sob a jurisdição do papado, permanecendo trancafiado nos acervos restritos das dioceses.


Assinado pelo então secretário de Estado Alfredo Ottaviani, o Vaticano impedia promotores e juízes de acessarem documentos eclesiásticos que serviriam como evidências de crimes sexuais, exibindo incisos obscuros, como mover padres molestadores de paróquia em paróquia, destruir os vestígios das vítimas após os possíveis julgamentos, entre outras estratégias. Sua existência permaneceu secreta até 2001, quando dezenas de países foram “agitados” por denúncias vindas dos Estados Unidos. Após uma surpreendente manchete matutina, o jornal Boston Globe acusava o cardeal Bernard Law de transferir diversos padres pedófilos para outras comunidades, jamais comunicando as autoridades. Chegou-se então a uma conclusão: o problema não era local, muito menos contemporâneo.

A ONU poderá interrogar padres, bispos e monsenhores. De nada adiantará. Segundo o vaticanista John Allen Junior, “há uma forte cultura do silêncio no interior das muralhas sagradas”. Ao conquistarem o anel que lhes dará passagem a um notório espaço de autoridade na hierarquia, o Colégio de Cardeais, os bispos juram permanecer em silêncio frente a possíveis escândalos internos. Jurar segredo para não adoecer uma monarquia há séculos enferma. Mesmo conformado, Francisco reconhece: a Igreja erra, mas faz. Irônico.

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