O que é o tempo? Se ninguém pergunta isso, eu não me pergunto, eu o sei; mas se alguém me pergunta e eu quero explicar, eu não o sei mais.
(Agostinho de Hipona)

sábado, 5 de outubro de 2013

Heresias e Intolerância: da Idade Média aos nossos dias

     “O estudo da heresia, todos nós o sentimos, desemboca no estudo da tolerância e suas diversas motivações”. Tal a reflexão proposta pelo medievalista francês Georges Duby em seu ensaio Heresias e Sociedades na Europa Pré-Industrial. Para ele a discussão sobre as “heresias” mescla-se consequentemente com a da tolerância em espaços sociais. Afinal, a intolerância em nossa sociedade é um produto da modernidade ou a mesma possui rastros históricos identificáveis? O que são e quando nasceram as heresias?
     Tendo em vista o nascimento do Ocidente segundo o historiador Hilário Franco Junior, que se estende do século IV – com a dissolução das estruturas do Império Romano – ao século XVI – com o movimento antropocêntrico intitulado Renascimento – regressemos para o tempo dos feudos e catedrais. Um período fascinante de nossa História envolto de misticismos e preconceitos: a Idade Média.
     A heresia, que literalmente significa uma “escolha diferente”, seriam interpretações e práticas religiosas contrárias àquelas oficialmente adotadas pela Igreja Católica medieval. Contudo, não foi no medievo moldado pelos preceitos e autoridade da Igreja, “a herdeira natural do Império Romano”, que nasceram as heresias. Seria prudente regressarmos um pouco mais.
     Oras, poucos se lembram de que bispos e diáconos dos três primeiros séculos do cristianismo, de diferentes regiões e com diferentes perspectivas a respeito da seita nascida no seio do judaísmo, confrontavam-se teológica e espiritualmente. Em meados do século II havia segundo a filósofa Marilia Fiorillo “diversos cristianismos”.
     Foi apenas com o aval do imperador Constantino, o Grande, em 313 d.C. que a facção cristã enraizada na cidade de Roma saiu vitoriosa. Sob o comando do clero romano, livros (evangelhos), ideias e perspectivas a respeito do cristianismo contrárias às de Roma foram violentamente suprimidas, perseguidas e extintas pelos católicos nascentes.
     A trágica história das heresias se iniciava. Vale ressaltar que a prática da perseguição oficializada pela Igreja mediante os tribunais da Santa Inquisição só seriam criados na Idade Média. Estruturaram-se para extirpar uma poderosa seita surgida na França do século XI: o catarismo. Os papas em Roma consideravam os cátaros hereges e com crenças perigosamente subversivas. Tais “hereges” eram contrários à doutrina católica e se referiam à Igreja como imoral e corrupta.
     Para os inquisidores, assim como para os crentes em geral, o “outro” – na Idade Média o “pagão” – sempre foi temível e abominável. Todavia, com o raiar do século XVIII, o movimento Iluminista e a Revolução Francesa, a “máquina do medo” seria extinta pela Igreja. Contudo, mesmo em nossos dias, não seriam as camadas mais pobres da população, pessoas de diferentes orientações sexuais, com diferentes tons de pele ou perspectivas espirituais ou a-religiosas, alvo de intolerância e perseguição simplesmente por serem “diferentes”?
     Atualmente a intolerância ainda orienta muitos grupos e indivíduos, religiosos ou não. Jovens homossexuais são agredidos nas ruas por grupos homofóbicos. Negros e mulatos são tratados como intelectualmente inferiores, quando não renegados por sua cor. Mulheres sofrem agressão física em suas próprias casas. Pelos ocidentais, muçulmanos são temidos e acusados de terrorismo. A lista é infinita.
     Em suma, seria hipocrisia de nossa parte acusar a Idade Média de “Idade das Trevas”, enquanto ainda vivemos rodeados de obscurantismos, racismo e inúmeros preconceitos.

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