O que é o tempo? Se ninguém pergunta isso, eu não me pergunto, eu o sei; mas se alguém me pergunta e eu quero explicar, eu não o sei mais.
(Agostinho de Hipona)

sábado, 5 de outubro de 2013

Por que o Brasil ainda não deu certo?

     “Por que o Brasil ainda não deu certo?” Tal a questão proposta pelo renomado antropólogo e intelectual Darcy Ribeiro ao escrever seu clássico O povo brasileiro, exilado no Uruguai após o golpe militar de 1964. Diferente da canalha intelectual que ainda hoje descansa, decrépita e endinheirada, atrás dos muros universitários, durante toda sua vida Darcy Ribeiro jamais deixou de lado o engajamento político e a militância intelectual. Ministro no governo João Goulart – derrubado pelos militares – e professor-fundador de diversas universidades brasileiras, Darcy é hoje lembrado como um dos maiores pensadores do século XX.
     Afinal, caro leitor, quantos de nós já nos deparamos com frases do tipo: “o Brasil não dará certo”, ou “o Brasil não têm jeito”? Clássicas, porém trágicas. Para você que repete constantemente tais máximas e pensa de tal maneira, proponho uma breve reflexão a respeito da história de nosso país. Uma história diferente da que se aprende nas escolas. Uma história, como diria Darcy Ribeiro, “lavada em sangue negro e sangue índio”.
     Segundo o antropólogo, “surgimos da confluência, do entrechoque e do caldeamento do invasor português com índios silvícolas e campineiros e com negros africanos, uns e outros aliciados como escravos”. Aqui se dá início nossa história do Brasil. Exploração econômica, extermínio e doutrinação de povos e tribos indígenas e, logo depois, a escravidão de negros africanos. Sangue, suor, lágrimas. E fé, muita fé. Uma das primeiras ações coloniais em terras recém-invadidas foi a missa católica realizada no dia 26 de abril de 1500 por Henrique de Coimbra, aventureiro bispo lusitano.
     Segundo Darcy Ribeiro, “apesar dessas cruas evidências, uns santos homens, em sua alienação iluminada, continuaram crendo que cumpriam uma destinação cristã de construtores do reino de Deus no novo mundo”. Para converter o índio, a Igreja de Roma lança aos mares jesuítas, carmelitas e franciscanos. De maneira pacífica ou violenta, a religião católica tratou de impor-se no Novo Mundo. Redigida neste mesmo período pelo devasso papa Alexandre VI, a bula Inter Coetera dividia nossas terras mediante o Tratado de Tordesilhas. Não obstante, esta mesma terra “descoberta” e seus habitantes, suas culturas, crenças e valores milenares, deveriam ser “reduzidos à santa Fé Católica”.
     Tanto para Darcy Ribeiro como para Raymundo Faoro, jurista, historiador e cientista político brasileiro, nossa sofrida trajetória histórica – de colonização, exploração e desigualdade seculares – podem responder a questão que dá título a este artigo e que Darcy Ribeiro propôs em seu livro. Em compasso, a tese de Raymundo Faoro em seu clássico Os donos do poder também vai de encontro com nossas indagações. Para Faoro, o poder e o mando sempre estiveram concentrados nas mãos de poucos.
     O autor explica que desde os primeiros empreendimentos da colonização lusa nossa política sempre foi exercida por meio do “estamento burocrático”. Para isso, “o Estado se aparelha, grau a grau, sempre que a necessidade sugere, com a organização político-administrativa, juridicamente pensada e escrita, racionalizada e sistematizada pelos juristas. [...] Para a compreensão do fenômeno, observe-se, desde logo, que a ordem social, ao se afirmar nas classes, estamentos e castas, compreende uma distribuição de poder, em sentido amplo — a imposição de uma vontade sobre a conduta alheia”. Em suma, um Estado patrimonialista guiado por uma elite arcaica, difundida em castas, extremamente poderosa.
     Darcy Ribeiro e Raymundo Faoro se foram. Suas obras, contudo, permanecem como bússolas incontestes. Através delas nos orientamos, conhecemos e nos surpreendemos. Por isso, se da próxima vez escutar alguém dizendo que “o Brasil não têm jeito”, lembre-o que os grandes monopólios de imprensa, as religiões cristãs ultraconservadoras e suas instituições corporativas, empresários, banqueiros e grandes latifundiários – sem contar a direita política reacionária e violenta que os sustentam – ainda permanecem de pé.
     Senhores de terno e gravata, os cabrestos do Brasil.

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