O que é o tempo? Se ninguém pergunta isso, eu não me pergunto, eu o sei; mas se alguém me pergunta e eu quero explicar, eu não o sei mais.
(Agostinho de Hipona)

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

O sistema capitalista, o Brasil e as desigualdades sociais

     Na última semana viajei a São Paulo para participar de um congresso internacional de pesquisadores da religião ocorrido na Universidade de São Paulo (USP). Tirando idas e vindas rápidas, jamais havia conhecido a metrópole de perto como naqueles dias. Antes de retornar ainda tive a oportunidade de caminhar pelo “centrão” em busca de sebos e livrarias com o objetivo de encontrar livros raros e com preços acessíveis. Caí na Praça da Sé.
     Confesso que para um estudioso da religião como eu, adentrar a sua imponente Catedral, com suas colunas gigantescas e sua extraordinária arquitetura foi no mínimo um presente dos deuses. Ao lado das grandes estátuas de São Pedro e Ezequiel, no entanto, próximos às escadarias de entrada, meu coração disparou. Não pela beleza do local, mas pelos focos de pobreza e mendicância que no local se encontravam.
Entre táxis e metrôs, ônibus e trens, pesquisas e palestras, meu olhar critico jamais se absteve. Minha impertinente observação parecia mais aguçada que nunca. Estive frente a frente com um dos problemas brasileiros mais gritantes de nossa sociedade. Um problema histórico e evidente para qualquer um que abrir os olhos e quiser enxergar: a desigualdade social nos grandes centros urbanos. E isso me incomodou. Me fez refletir. Mas de que modo ajudar tanta gente? Pensei naquele momento. De que modo ajudar essas pessoas? Contudo, essa não foi minha única constatação.
     Perambulavam sujeitos sujos, cabisbaixos, descalços, sem voz ou direção. Sujeitos inconscientes que jamais foram assistidos pelo todo-poderoso Estado democrático de Direito. No mesmo espaço, homens engravatados, finos e elegantes. Ao vivo e a cores, tais discrepâncias realmente me assustaram. Por isso questionei: será que o sistema socioeconômico em que vivemos realmente dá oportunidades para todos, bastando o esforço de cada um, ou a maioria nasce desassistido e inconsciente de seu lugar na sociedade?
A lógica do sistema capitalista prevê que cada indivíduo nasce com a “carreira aberta ao talento”, tão bem teorizada pelo historiador Eric Hobsbawm em sua Era das Revoluções. A burguesia e seus ideólogos nos séculos que precederam a Revolução Francesa bradavam que este era o fundamento da modernidade. Precisou Charles Chaplin em Tempos Modernos atuar com maestria e criticidade para que viéssemos a perceber o óbvio. Teria uma pedinte assustada, maltrapilha e catatônica, como deparei nas ruas de São Paulo, uma “carreira aberta ao talento”? Teria ela possibilidades de “crescer na vida”, ou “subir na carreira”? Que carreira? Provavelmente não. Enfim, as engrenagens do sistema capitalista parecem enroscar a cada dia, e seus “filhos” – a pobreza, a diferença de classes, a opressão e o autoritarismo contra trabalhadores e despossuídos – parecem crescer ainda mais.
     Para Raymundo Faoro, “o súdito, a sociedade, se compreendem no âmbito de um aparelhamento a explorar, a manipular, a tosquiar nos casos extremos. Dessa realidade se projeta, em florescimento natural, a forma de poder institucionalizada num tipo de domínio. [...] assim é porque sempre foi”. Para a maioria a pobreza e a exploração naturalizaram-se. Afinal, assim é porque sempre foi. Não é mesmo? Até quando nós, súditos deste perverso sistema e dos governos que se prostram a ele, continuaremos assim, curvados?
No caminho para rodoviária, em uma das várias muretas que separavam a avenida, estava escrito: o povo acordou. Se isso é real, esperemos que jamais volte a dormir. E que a revolta traga a tão esperada mudança!

Nenhum comentário:

Postar um comentário